quinta-feira, 5 de junho de 2014

APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDORES PÚBLICOS - SUCINTA ANÁLISE E O ENTENDIMENTO ATUAL DO STF


Como se sabe, os servidores públicos estatutários não se submetem ao regime geral de previdência social (RGPS – instituído pela Lei nº 8.213/1991), sendo seus direitos previdenciários regulados especificamente pela Constituição Federal e pelos respectivos estatutos, que disciplinam um regime especial de previdência social.
No que diz respeito à aposentadoria de tais servidores públicos, não se podem adotar, como regra, critérios diferenciadores para a concessão de tal benefício. A igualdade de requisitos, portanto, é princípio norteador do direito à aposentadoria de servidores públicos, sujeitos ao regime especial de previdência social.
Como ensina Hely Lopes Meirelles [1], “a proibição de tratamento desigual a integrantes de um mesmo regime de previdência é expressa e de ordem geral”.
Entretanto, tal princípio geral comporta exceções, já que, nos termos do artigo 40, §4º, da Constituição Federal, permite-se, excepcionalmente, a adoção de critérios diferenciadores para a concessão de aposentadoria a determinados servidores públicos:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I - portadores de deficiência;
II - que exerçam atividades de risco;
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Assim, a Carta Magna possibilita a concessão de aposentadoria, com base em requisitos e critérios diferenciados dos previstos como regra geral pelo seu artigo 40, §1º, para três tipos de funcionários públicos: (a) os portadores de deficiência; (b) os que exerçam atividade de risco; e (c) os que exerçam atividades sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física.
Destas três situações, uma é particularmente interessante: a dos servidores estatutários que exercem atividades em condições especiais, ou seja, que resultem em dano à saúde ou à integridade física. Para tais agentes, concede a Constituição Federal a chamada “aposentadoria especial”, ou seja, a aposentadoria decorrente do trabalho prestado em situações especiais.
Trata-se, todavia, de norma constitucional de eficácia limitada, posto exigir a regulamentação da aposentadoria especial por lei complementar, lei esta sem a qual não seria possível, em tese, a fruição do direito à aposentadoria especial.
Com o escopo de solucionar tal questão, cristalizou-se no STF o entendimento de que, ante a omissão legislativa na edição da lei complementar necessária, e para evitar a síndrome da inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada, deve ser aplicado analogicamente, no que couber, o disposto nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991 e seus requisitos, a saber:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º  O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
§ 8º  Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.

Aliás, em virtude da grande quantidade de Mandados de Injunção impetrados com a finalidade de suprir a referida omissão legislativa, publicou o STF, em abril de 2014, a Súmula Vinculante nº 33, segundo a qual “aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica”.
A principal diferença com relação à aposentadoria comum dos servidores públicos é a de que, para a aposentadoria especial, o tempo de serviço e contribuição a ser comprovado é expressamente menor, reduzindo-se, de 35 anos para homem e 30 anos para mulher (para que recebam proventos integrais), para 15, 20 ou 25 anos, sendo irrelevante o sexo do servidor público.
Quanto a esse tempo de trabalho e contribuição, necessário para a aposentadoria especial, o artigo 57, caput, da Lei Geral da Previdência Social tão somente fixa os parâmetros gerais (15, 20 ou 25 anos), não especificando em quais casos se aplicará cada prazo, tarefa que relega a lei diversa (no caso, o Decreto nº 3.048/1999).
Nos termos do Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social – Agentes Nocivos), tem-se que o prazo será de:
(a) 15 anos: para trabalhos em atividades permanentes no subsolo de minerações subterrâneas em frente de produção;
(b) 20 anos: para (b.1) extração, processamento e manipulação de rochas amiantíferas; (b.2) fabricação de guarnições para freios, embreagens e materiais isolantes contendo asbestos; (b.3) fabricação de produtos de fibrocimento; (b.4) mistura, cardagem, fiação e tecelagem de fibras de asbestos; (b.5) mineração subterrânea cujas atividades sejam exercidas afastadas das frentes de produção;
(c) 25 anos: para as demais atividades de risco, por exemplo, para os médicos.
Por fim, não basta a mera comprovação de trabalho no interregno previsto em lei. Deve-se demonstrar efetivamente que, em tal período, o servidor exerceu sua atividade laboral exposto aos agentes nocivos que, por causarem prejuízo à saúde ou à integridade física, motivam a concessão da aposentadoria especial (agentes estes listados no Decreto nº 3.048/1999). Ressalte-se que referida comprovação deve ser feita mediante laudo técnico.

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[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 40ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 539.