quarta-feira, 23 de julho de 2014

ANÁLISE CONCEITUAL DO DANO MORAL

Lugar comum, atualmente, é o dano moral.
Habitualmente, ouve-se muito falar em dano moral e em indenização por dano moral, inclusive (e principalmente) na vida cotidiana extraprofissional (nas conversas de bar, nas rodas de amigos, nos bancos de praça; longe, portanto, das carteiras da universidade, do átrio dos fóruns e das mesas de escritório).
Entretanto, apesar de ser o dano moral assunto socialmente recorrente, não é tarefa das mais fáceis conceituá-lo. A própria literatura jurídica passou por uma evolução até que alcançasse a atual, e ainda não pacífica, definição do dano moral.
Cabe fazer, portanto, uma breve análise de seu conceito, de seu conteúdo.
De início, temos que o tema "dano" relaciona-se intrinsecamente com o ramo jurídico da responsabilidade civil.
O dano, aliás, é um dos elementos da responsabilidade civil, ao lado do ato ilícito, do nexo causal e, em se tratando de responsabilidade subjetiva, da culpa lato sensu.
Para que haja responsabilidade civil, portanto - e nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil[1] -, deve haver a prática de um ato ilícito por um indivíduo e, como consequência desse ato ilícito (nexo de causalidade), ocorrer um dano a outrem, sendo, ainda, na maioria dos casos, necessária a comprovação de que o autor do ato ilícito agiu com dolo ou, ao menos, com culpa (em se tratando, porém, de situações em que a lei estabelece responsabilidade objetiva, dispensa-se a comprovação dessa culpa lato sensu).
Ocorre que, dentre esses pressupostos da responsabilidade civil, o dano é o de maior importância, já que, como bem assevera o saudoso civilista SILVIO RODRIGUES[2], "a questão da responsabilidade não se propõe se não houver dano, pois o ato ilícito só repercute na órbita do direito civil se causar prejuízo a alguém".
No indefectível ensinamento do eterno mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA[3]:

Partindo-se do princípio contido no art. 186 do Código Civil, inscreve-se o dano como circunstância elementar da responsabilidade civil. Por esse preceito fica estabelecido que a conduta antijurídica, imputável a uma pessoa, tem como consequência a obrigação de sujeitar o ofensor a reparar o mal causado. Existe uma obrigação de reparar o dano, imposta a quem quer que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar prejuízo a outrem.

Como é de se saber, o Direito pátrio consagra algumas espécies de dano, sendo atualmente pacífica na legislação, na doutrina e na jurisprudência a existência do dano material (ou dano patrimonial) e do dano moral (ou dano extrapatrimonial).
Conforme conceitua CAVALIERI FILHO[4], "o dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. (...) o dano material envolve a efetiva diminuição do patrimônio, quer se trate de um bem corpóreo ou incorpóreo".
Sobre o dano material, portanto, não há muito o que se explicar ou discutir: trata-se do dano de ordem patrimonial, assim entendida a lesão que acarreta prejuízo patrimonial à vítima, podendo consubstanciar-se em dano emergente (consistente na efetiva perda patrimonial sofrida pela vítima com o ato ilícito, a exemplo dos dispêndios para o conserto de um veículo danificado por outrem em um acidente automobilístico) ou em lucros cessantes (consistente em prejuízo patrimonial futuro, refletido naquilo que a vítima deixou de lucrar por consequência do ato ilícito praticado, a exemplo dos valores que um trabalhador autônomo, vitimado por lesões temporariamente incapacitantes causadas injustamente por terceiro, deixou de receber, no referido período de incapacidade, por não poder trabalhar).
Assim, o dano material, facilmente conceituável, é o dano de ordem patrimonial, ou seja, o dano imediato ou futuro que aflige bem jurídico patrimonial da vítima.
No que respeita ao dano moral, porém, instala-se certa divergência. Desde seu surgimento, o referido instituto - atualmente consagrado no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal[5] e em vários dispositivos do Código Civil[6] e da legislação ordinária - não encontra bom delineamento conceitual.
Por definição básica, o dano moral, diferentemente do dano material, é a ofensa a bem jurídico extrapatrimonial da vítima, ou seja, é a lesão a bem jurídico não patrimonial.
É, assim, o prejuízo unicamente extrapatrimonial, não abrangendo, pois, qualquer efeito patrimonial, ainda que reflexo. Por esse entendimento, se há lesão patrimonial, ainda que indiretamente, o dano sofrido é material, e não moral. É essa a lição de ORLANDO GOMES[7]:

A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial. Indenizam-se essas consequências, produzindo-se o dano nesse caso, de modo indireto.

Importa, nesse momento, consignar que o dano moral é autônomo e se desvincula da verificação de qualquer dano material. A par dos casos em que se fazem presentes ambos os danos (material e moral), há uma infinidade de situações em que se perpetra tão somente o dano moral, sem que ocorra dano material, caso em que referido dano extrapatrimonial pode ser indenizado.
Como afirma  SIMONE GOMES RODRIGUES CASORETTI[8], "é certo que muitas vezes o dano moral está relacionado com o dano material, porque oriundos de um mesmo evento lesivo. Mas a apuração do dano moral não está condicionada à existência de prejuízo material, pois representa lesão a interesses não patrimoniais, ao sofrimento humano decorrente da ofensa aos direitos da personalidade".
Nos casos em que a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial acarreta também danos de ordem material (a exemplo da situação em que a vítima, ofendida publicamente em sua honra, ingressa em quadro depressivo e necessita gastar com remédios e com tratamento médico), apesar de ser apenas um o ato ilícito, há verdadeiramente a ocorrência de dois danos: um moral (a lesão ao bem jurídico extrapatrimonial - a honra da vítima) e um material (o dispêndio com medicamentos e com tratamento), tendo-se por certo que a apuração de um independe da apuração do outro. É essa autonomia, aliás, que permite que a vítima pleiteie a indenização tão somente por dano moral, ou que cumule dois pedidos indenizatórios, nos termos da Súmula nº 37 do STJ (segundo a qual "são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato").
Entretanto - e retomando a análise estrita do conceito de dano moral - afirma CAVALIERI FILHO[9] que aqueles que definem o dano moral tão somente como sendo um dano não material (ou não patrimonial, ou, ainda, extrapatrimonial) "partem de um conceito negativo, por exclusão, que, na realidade, nada diz".
E, de fato, não obstante seja certo que o dano moral constitua-se em uma lesão que afeta outros bens jurídicos da vítima que não o patrimônio, é mister estabelecer quais são tais bens jurídicos não patrimoniais afetados por tal modalidade de dano.
Nessa seara, grande parte da literatura civilista entende o dano moral como sendo a lesão a um grupo específico de direitos, os chamados "direitos da personalidade" (ou "direitos personalíssimos"), posto serem estes direitos de ordem extrapatrimonial (a exemplo da honra, da imagem, do nome, da integridade física, da liberdade, da privacidade, da intimidade, dentre outros).
Os direitos da personalidade são direitos extrapatrimoniais, decorrentes exclusivamente da personalidade jurídica ostentada pelo indivíduo. São direitos indispensáveis ao indivíduo, que decorrem diretamente da sua condição humana, da sua condição de pessoa, e que, por tal natureza, se elevam a um patamar superior ao das demais classes de direitos.
O mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA[10], nos seus ensinamentos, define os direitos da personalidade, inclusive mencionando exemplos destes, sem deixar de explicitar o direito à indenização como decorrência da violação desses direitos:

A concepção dos direitos da personalidade sustenta que, a par dos direitos economicamente apreciáveis, ditos patrimoniais, outros há, não menos valiosos, merecedores de amparo e proteção da ordem jurídica. Admite a existência de um ideal de justiça, sobreposto à expressão caprichosa de um legislador eventual. Atinentes à própria natureza humana, ocupam eles posição supraestatal, já tendo encontrado nos sistemas jurídicos a objetividade que os ordena, como poder de ação, judicialmente exigíveis.
(...)
Ocorrendo lesão ou ameaça contra qualquer direito da personalidade, o titular é investido de legitimação ativa - legitimatio - para obter a medida cautelar ou punitiva contra o terceiro. E, se lhe advier prejuízo, serão devidas perdas e danos, a serem avaliadas com obediência aos critérios genéricos destinados à sua estimativa, independentemente de não ser dotado de patrimonialidade o direito lesado ou ameaçado.
(...)
Em linhas gerais, os direitos da personalidade envolvem o direito à vida, à liberdade, ao próprio corpo, à incolumidade física, à proteção da intimidade, à integridade moral, à preservação da própria imagem, ao nome, às obras de criação do indivíduo e tudo mais que seja digno de proteção, amparo e defesa na ordem constitucional, penal, administrativa, processual e civil.

Dessa forma, um primeiro passo para uma conceituação positiva do dano moral é entendê-lo como a lesão perpetrada contra direito da personalidade.
Como pontua ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO[11], "se o dano for moral, para que se indenize, certamente, no Direito brasileiro, é preciso que agrida direitos da personalidade".
Há parcela mais recente da doutrina, porém, que entende o dano moral como a lesão a direito extrapatrimonial que se constitua em ofensa à dignidade da pessoa humana.
Consiste a dignidade da pessoa humana em princípio-fundamento da República Federativa do Brasil, consagrado no artigo 1º, III, da Constituição Federal. Tal princípio, de vasta abrangência, apregoa que todo indivíduo, na qualidade de ser humano, tem direito a uma vida digna, o que inclui dois aspectos: (a) o direito de gerir livremente a própria vida e de fazer as próprias escolhas; e (b) o direito de ser respeitado como pessoa, pelos demais indivíduos componentes da sociedade. Ademais, tal princípio proclama ser dever do Estado garantir direitos mínimos aos indivíduos, indispensáveis à obtenção e manutenção da dignidade dos mesmos (os referidos direitos mínimos são os chamados direitos e garantias fundamentais).
Segundo a lição de ALEXANDRE DE MORAES[12]:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos;

É certo que a dignidade da pessoa humana é um princípio que expressa valores indispensáveis ao indivíduo como pessoa. Aliás, muitos dos direitos da personalidade - tais como a honra, a integridade física, a vida, dentre outros - colocam-se positivados como direitos mínimos dos indivíduos (possuindo, inclusive, status de direitos fundamentais) e devem ser respeitados, sob pena de se submeter seu titular a uma situação de indignidade.
Assim, é de se perceber que essa doutrina mais recente, que entende o dano moral como ofensa à dignidade da pessoa humana, não destoa da literatura civilista já consolidada, para a qual o dano moral consiste em lesão a direito da personalidade.
Porém, como bem salienta CAVALIERI FILHO[13], os direitos da personalidade são, em amplitude e dimensão, mais abrangentes que o direito à dignidade, posto que "englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade". Prossegue o renomado autor, afirmando que:

Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.

Daí afirmar o mesmo autor que o dano moral possui dois aspectos: (a) um sentido estrito, quando entendido como a "violação do direito à dignidade"; e (b) um sentido amplo, quando entendido como a "violação dos direitos da personalidade".
Tendo em vista essas considerações, e unindo os dois conceitos positivos do dano moral, já é possível construir-lhe um conceito nosso, e mais completo: o dano moral consiste na lesão a direito da personalidade, mormente quando desta lesão decorrer também ofensa à dignidade da pessoa humana.
Fixado esse conceito, é importante mencionar que a doutrina mais clássica aponta o dano moral como sendo o sentimento negativo (dor, vergonha, constrangimento, sofrimento, dentre outros) vivenciado pela vítima em decorrência da prática de um ato ilícito que ofenda o direito da personalidade.
Assim é a definição dada por ORLANDO GOMES[14], para quem o dano moral é "o constrangimento que alguém experimenta em consequência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem".
Ocorre que tal conceito é impreciso, uma vez que tais sentimentos negativos não são verdadeiramente o dano sofrido, senão apenas meras consequências desse dano. O dano, em si, é a própria ofensa ao direito da personalidade: é, por exemplo, a ofensa à honra, à imagem, à privacidade, ao nome, à integridade física, ou mesmo à vida da vítima. O sentimento negativo que daí decorre - a exemplo da vergonha, do constrangimento ou da dor -, é tão somente efeito do dano, com este não se confundindo, portanto.
Conforme a indispensável lição de CARLOS ROBERTO GONÇALVES[15]:

O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. A dor que experimentam os pais pela morte violenta do filho, o padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo.

E o equívoco de se conceituar o dano moral como o sentimento negativo não tem efeito apenas teórico. Pelo contrário, tal confusão conceitual traz algumas consequências de ordem prática, tendo em vista que, devido à subjetividade de tais sentimentos, muitas vezes há o sentimento negativo sem que tenha havido qualquer lesão a direito da personalidade. Ademais, por vezes, o sentimento ruim decorre mesmo da prática de ato perfeitamente lícito, como é o caso de indivíduos que se sentem constrangidos quando passam por uma blitz policial feita de acordo com a lei e sem qualquer abuso.
Em contrapartida, há também situações em que existe a ofensa ao direito da personalidade sem que dessa ofensa decorra sentimento negativo, a exemplo da situação do nascituro e de algumas classes de incapazes, que não desenvolvem qualquer reação sentimental.
Assim, estar-se-ia, indevidamente, reparando civilmente situações em que não há dano a bem jurídico extrapatrimonial (ou seja, a direito personalíssimo), apenas por haver sentimento negativo, e, por outro lado, estar-se-ia deixando injustamente de reparar efetivos danos a tais bens jurídicos, tão somente por deles não decorrer qualquer padecimento.
Entendendo-se o dano como o sentimento negativo, se tomariam também por indenizáveis meros aborrecimentos e pequenos inconformismos, vividos natural e corriqueiramente pelos indivíduos, mas que não violam direito algum, profanando-se o instituto da reparação civil por danos morais, que deve ser resguardado a compensar tão somente as lesões efetivamente causadas em direitos da personalidade. Como bem pondera SILVIO VENOSA[16]: "Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio".
O referido equívoco se torna ainda mais evidente quando se é analisado com fulcro na possibilidade jurídica de compensação de danos morais sofridos por pessoa jurídica, já que esta não é humana, não possuindo sentimentos próprios.
Ocorre que a pessoa jurídica, apesar de não ser humana (ou seja, não ser pessoa natural), quando criada em conformidade com os ditames legais, recebe do ordenamento jurídico personalidade, sendo-lhe conferidos, portanto, todos os direitos da personalidade que com ela se puderem coadunar (artigo 52 do Código Civil[17]), tais como a honra objetiva (o conceito que a sociedade possui do indivíduo) e o nome - sendo certo que, em virtude da natureza e das condições inerentes às pessoa jurídicas, há direitos personalíssimos que não se lhe aplicam, a exemplo da honra subjetiva (o conceito que o indivíduo tem de sim mesmo), da liberdade de locomoção e da integridade física -.
Nos termos do já mencionado artigo 52 do Código Civil, em combinação com o artigo 12 do mesmo diploma legal[18], bem como segundo a Súmula nº 227 do STJ[19], pode a pessoa jurídica sofrer dano moral, o qual deve ser indenizado.
Nesse sentido, aliás, assevera MARIA HELENA DINIZ[20], em comentários ao artigo 52 do Código Civil, que:

No nosso entender, as pessoas jurídicas têm direitos da personalidade, como o direito ao nome, à marca, à honra objetiva (RT, 776:195, 747:221), à imagem, ao segredo, à boa reputação (RT, 733:297) etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenamento jurídico-positivo, e podem sofrer dano moral (STF; Súmula 227). Havendo violação desses direitos, as pessoas jurídicas lesadas em sua credibilidade social, idoneidade empresarial, potencialidade econômica, capacidade de produção de lucros, qualidade do fundo de comércio, clientela etc. poderão pleitear, em juízo, a reparação pelos danos, sejam eles patrimoniais, sejam morais (RT, 776:195, 734:507, 733:297 e 589, 727:123, 723:336, 716:273, 680:85, 627:28; RJTAMG, 531:160).

Ora, conceituando-se o dano moral como o sentimento negativo, exclui-se indevidamente de sua abrangência a pessoa jurídica, por esta não desenvolver qualquer sentimento, não obstante seja titular de direitos da personalidade.
Daí ser imperioso entender o dano moral não como o sentimento negativo, mas como a própria ofensa, in re ipsa, ao direito da personalidade (e à dignidade da pessoa humana), a fim de que, em conformidade com o Direito pátrio, a pessoa jurídica também seja protegida contra as lesões que vier a sofrer em seus direitos da personalidade.
Desse modo, evitam-se também todos os demais efeitos do equívoco de se conceituar o dano moral  como sendo o sentimento negativo sofrido pelo indivíduo em decorrência da ofensa a direito da personalidade de que é titular.
Nas palavras de CLAUDIO LUIZ BUENO DE GODOY[21]:

Na conceituação do dano moral, antes de mais nada, tem-se hoje de se superar associação a característica comum com que se revelou o seu reconhecimento, o surgimento e o desenvolvimento do instituto: o preço da dor (pretium doloris). Não se considera possa ser compreendido ou mesmo reduzido o dano moral à ideia de sofrimento, de angústia experimentada em razão do evento lesivo.
De um lado, tal adstrição deixaria sem explicação o dano moral sofrido pelo nascituro, pelo incapaz de maneira geral, ou mesmo pela pessoa jurídica (...). De outro, suposta ainda a consciência, o discernimento, nunca se sabe exatamente se uma pessoa sofreu.
(...)
Certo que, atualmente, antes que a revelação de sentimento de dor ou angústia, o dano moral vem sendo entendido como qualquer violação a direitos que têm seu valor fonte na dignidade humana. Ou seja, a violação aos direitos chamados da personalidade, essenciais ou personalíssimos do indivíduo. E porque objeto de especial proteção, tem-se defendido que o dano já esteja na própria conduta de violação. Daí dizer-se que o dano moral seja ou esteja in re ipsa.

Não há quaisquer dúvidas, pois, de que se deve superar completamente a já desgastada noção de que o dano moral é o sentimento negativo sofrido pela vítima como consequência de um ato ilícito praticado. O dano moral é, em verdade, a própria lesão ao bem jurídico extrapatrimonial, ao direito da personalidade, e independe da produção de qualquer sentimento negativo na vítima.
Assim, como conclusão, retomando e reformulando a definição de dano moral que anteriormente apresentei no presente texto, é possível estabelecer um conceito próprio mais aperfeiçoado de dano moral, segundo o qual: consiste o dano moral na lesão a direito da personalidade, mormente quando desta lesão decorrer agravo à dignidade da pessoa humana, independentemente de a vítima, em virtude da ofensa perpetrada, sofrer qualquer sentimento negativo.

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[1]  "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
 "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) , causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil, volume 04 - responsabilidade civil. 20ª edição, 5ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.
[3] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rev. e atual. Gustavo Tependino. 10ª edição. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012, p. 53.
[4] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 77-78.
[5] "Art. 5º. (...) V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
[6] Vide, como exemplos, os artigos 12, 20, 186, 949, 953 e 954 do Código Civil.
[7] GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Rev. e atual. Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 75.
[8] CASORETTI, Simone Gomes Rodrigues et alii. Comentários ao código civil - artigo por artigo. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 423.
[9] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 88.
[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, volume I - introdução ao direito civil e teoria geral do direito civil. Rev. e atual. Maria Celina Bodin de Moraes. 26ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 201-205.
[11] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 11ª edição. São Paulo: Atlas, 2008, p. 194. 
[12] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 1998, p. 44.
[13] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 88-90.
[14] GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Rev. e atual. Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 76.
[15] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 491.
[16] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, volume 04 - responsabilidade civil. 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 46.
[17] "Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade".
[18] "Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei".
[19] "Súmula nº 227, STJ - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
[20] DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 105.
[21] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Alguns apontamentos sobre o dano moral, sua configuração e o arbitramento da indenização - In 10 anos de vigência do código civil brasileiro de 2002: estudos em homenagem ao professor Carlos Alberto Dabus Maluf. Coordenação de Christiano Cassettari. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 374-375.

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