sábado, 18 de abril de 2015

UMA CRÍTICA À FORMA DE RESPONSABILIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NAS TERCEIRIZAÇÕES DE LONGO PRAZO

1. INTRODUÇÃO

A ordem jurídica trabalhista brasileira, devido ao princípio da proteção ao obreiro, custou a admitir a terceirização de serviços.
Inicialmente, algumas tímidas leis começaram a permitir tal prática. O exemplo principal é a Lei nº 6.019/1974, que, ao regulamentar o trabalho temporário, instituiu a chamada terceirização de curto prazo.
Todavia, em virtude do cancelamento da Súmula nº 256 do TST e edição da então nova Súmula nº 331 do TST, passou-se a admitir, em hipóteses mais amplas, a terceirização. Convencionou-se chamá-la de terceirização de longo prazo.
Toda sua regulamentação é feita pela própria Súmula nº 331, que estabelece os requisitos de sua licitude, as conseqüências da prática de terceirização ilegal e, por fim, a responsabilidade do tomador de serviços em tal modalidade de terceirização.
No que diz respeito à forma de responsabilização do tomador de serviços, a Súmula tratou diferentemente o tomador quando particular e quando a Administração Pública, conferindo apenas a esta última uma prerrogativa: a responsabilidade meramente subjetiva, que depende da comprovação de culpa (ao contrário do tomador particular, que responde objetivamente pelas verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa interposta a seus empregados).
Assim, a análise da responsabilidade da Administração Pública como tomadora de serviços em contrato de terceirização é de alta relevância.
O presente texto, portanto, tem por objetivo tratar criticamente da forma de responsabilização da Administração Pública em contratos de terceirização, na condição de tomadora de serviços, com base no texto constitucional e na desproporção em relação ao tomador privado.

2. ANÁLISE DO TEMA PROPOSTO

2.1 Conceito e fundamento jurídico da terceirização

A terceirização consiste em um contrato, por meio do qual uma empresa interposta fornece empregados a um tomador de serviços, para que este, mediante pagamento à empresa interposta, se utilize dos empregados fornecidos, sem que entre estes e o tomador se configure vínculo empregatício.
Na preciosa lição do ministro GODINHO DELGADO[1]:
Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força do trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.
Assim, há uma verdadeira relação jurídica trilateral na terceirização, em que figuram partes bem definidas: (a) o tomador de serviços; (b) a empresa interposta; e (c) o empregado.
A primeira parte dessa relação é o tomador de serviços, que é aquela pessoa física ou jurídica que exerce uma atividade e, para tanto, necessita de mão de obra. Com a terceirização, o tomador de serviços contrata com a empresa interposta, para que esta lhe forneça a mão de obra necessária.
Em segundo lugar, há a empresa interposta, que é aquela que possui os empregados disponíveis à terceirização. Ou seja, é esta quem fornece, mediante contraprestação pecuniária, seus empregados ao tomador, para que este utilize a referida mão de obra para sua atividade.
Por fim, a terceira parte dessa relação jurídica é o empregado da empresa interposta, e que presta serviços ao tomador. No caso, relembrando o ensinamento supratranscrito do ministro Delgado, diferem-se a relação empregatícia da relação econômica de trabalho: o empregado presta serviços ao tomador, porém seu vínculo empregatício se dá com a empresa interposta, de modo que é esta quem tem obrigações trabalhistas para com o empregado (pagamento de salários, férias, gratificação natalina, dentre outros direitos do empregado). Não há, portanto, vínculo empregatício entre o empregado e o tomador de serviços.
Há duas modalidades de terceirização aceitas atualmente no Direito do Trabalho, a saber: (a) a terceirização de curto prazo; e (b) a terceirização de longo prazo.
(a) Terceirização de curto prazo: a terceirização de curto prazo possui previsão legal expressa.
Trata-se da Lei nº 6.019/1974 que, ao tratar do trabalhador temporário, fornece várias disposições sobre verdadeira terceirização, tendo em vista que os trabalhadores temporários são fornecidos por uma empresa interposta (tratada especificamente como “empresa de trabalho temporário” pelo artigo 4º da Lei nº 6.019/1974[2]).
A terceirização de curto prazo, segundo o artigo 2º da Lei nº 6.019/1974[3], é possível em apenas duas situações: (i) em caso de, na empresa tomadora, surgir acréscimo extraordinário de serviço; ou (ii) nos casos em que for necessária a substituição transitória de pessoal regular e permanente da empresa tomadora.
Por fim, cabe mencionar que a terceirização de curto prazo deve ser estipulada mediante contrato escrito entre a empresa de serviço temporário e o tomador de serviços, com período de duração máximo de 03 meses para cada empregado terceirizado (artigos 10 e 11 da Lei nº 6.019/1974[4]).
BRUNO KLIPPEL[5] afirma que a Lei nº 6.019/1974:
Trata-se de legislação até hoje em vigor, que trata do trabalho temporário, para substituição de pessoal permanente ou para implementação de novos postos de trabalho, em períodos de aumento de produção ou vendas. Essa lei propicia a terceirização lícita temporária, já que a legislação prevê tempo máximo de 3 (três) meses para os contratos firmados entre a empresa de trabalho temporário e o tomador de serviços.
Feitas essas considerações gerais, não cabe mais abordar tal modalidade de terceirização, posto que não é ela o objeto principal deste artigo.
(b) Terceirização de longo prazo: quanto à terceirização de longo prazo, trata-se da modalidade de terceirização que não possui previsão legal, tendo por base jurídica uma Súmula do TST, qual seja, a Súmula nº 331.
Por ora, cabe apenas transcrever o conteúdo da referida Súmula, tendo em vista o fato de que esta será a modalidade de terceirização tratada no presente texto, de modo que suas características serão analisadas de forma aprofundada no decorrer deste artigo.
Súmula 331, TST:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6019, de 3.1.74).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
III - não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV ‐ O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V ‐ Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

2.2 Terceirização de longo prazo – conceito e características básicas

Como já mencionado anteriormente, a terceirização de longo prazo não possui previsão legal, tendo por base jurídica a Súmula nº 331 do TST (ao contrário da terceirização de curto prazo, que encontra sustentação na Lei nº 6.019/1974).
A terceirização de longo prazo era vedada expressamente pela Súmula nº 256 do TST, segundo a qual a terceirização só se fazia admissível nos termos da Lei nº 6.019/1974 (terceirização de curto prazo) e da Lei nº 7.102/1983 (serviços de vigilância).
Estipulava tal Súmula que, ipsis litteris:
Súmula nº 256 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
Todavia, este enunciado sumular foi cancelado, sendo substituído pela atualmente vigente Súmula nº 331 do TST (já transcrita anteriormente), que permite a terceirização de longo prazo, desde que preenchidos determinados requisitos.
Segundo o inciso I da Súmula nº 331 do TST, “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3-1-1974)”.
O referido inciso traz a impressão de ser ainda juridicamente impossível a terceirização de longo prazo, sendo admissível no ordenamento jurídico pátrio apenas a terceirização de curto prazo, tal qual prevista na Lei nº 6.019/1974. Assim, sua leitura isolada leva à conclusão de que qualquer terceirização feita além das hipóteses da Lei nº 6.019/1974 (terceirização de curto prazo) é ilegal, formando-se, portanto, vínculo empregatício direto entre o empregado ilegalmente terceirizado e o tomador de seus serviços.
Porém, essa primeira impressão é errônea.
Isto porque a própria Súmula nº 331 do TST, em seu inciso III, traz a contra-regra, ao prever que: “não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”.
Como se percebe, este inciso excepciona a regra geral trazida pelo inciso I, de modo que a terceirização de longo prazo será, em regra, ilegal, salvo quando se tratar da contratação de trabalhadores terceirizados para o exercício de atividades-meio do tomador de serviços.
A terceirização de longo prazo, portanto, pode ser conceituada como o contrato de terceirização por meio do qual a empresa interposta fornece, a um tomador de serviços, empregados seus que atuarão na realização de atividade-meio deste tomador de serviços.
A saudosa magistrada ALICE MONTEIRO DE BARROS, ao tratar da terceirização de longo prazo, afirma que[6]:
O fenômeno da terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio.
No mesmo sentido, assevera SÉRGIO PINTO MARTINS[7] que:
Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens, como de serviços, como ocorre na necessidade de contratação de empresa de limpeza, de vigilância ou até para serviço temporário.
Com base no conceito trazido pela doutrina e no inciso III da Súmula ora trabalhada, é possível apontar as características da terceirização lícita de longo prazo:
Inicialmente, só se admite a terceirização de longo prazo quando relativa à realização de atividade-meio do tomador de serviços, assim, entendida aquela atividade não afeta ao objeto principal da atividade do tomador, ou seja, que não se constitui nos fins do tomador de serviços.
Reportemo-nos à lição do ministro GODINHO DELGADO[8]:
Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.
Como exemplo, temos que a atividade-fim de uma escola é prestar o ensino, sendo a limpeza do estabelecimento escolar atividade-meio de tal empresa. Assim, é possível a terceirização para contratação de trabalhadores do setor de limpeza (atividade-meio), mas não para a contratação de professores (atividade-fim).
A Súmula dispõe que comportam contratação por terceirização os serviços de vigilância, de conservação e de limpeza. Porém, tal rol é meramente exemplificativo, sendo a terceirização lícita para quaisquer outros serviços ou necessidades, desde que relativos à atividade-meio do tomador de serviços.
No caso, a empresa interposta deve ser terceirizadora de serviços especializados. Assim, não é qualquer empresa que pode oferecer mão de obra à terceirização, senão apenas aquela especializada no ramo de serviço terceirizado (exemplos: uma empresa especializada em limpeza e conservação, uma empresa especializada em jardinagem, dentre outras).
Por fim, estabelece ainda o inciso III da Súmula nº 331 do TST que, para ser lícita a terceirização de longo prazo, deve inexistir pessoalidade e subordinação direta na prestação de serviços ao tomador.
O motivo é simples: tanto a pessoalidade como a subordinação direta são características próprias da relação de emprego (artigos 2º, caput, e 3º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho[9]), de modo que, se presentes na prestação de serviços terceirizados, forma-se verdadeira relação empregatícia entre o tomador de serviços e o empregado da empresa interposta.
Assim, não pode o tomador exigir que o serviço seja prestado por determinado empregado da empresa interposta, cabendo exclusivamente a esta escolher quais de seus empregados serão escalados para a prestação de serviços.
Da mesma forma, não pode o tomador de serviços exercer poder de direção sobre o empregado da empresa interposta, vale dizer, este não fica diretamente subordinado ao tomador de serviços. O trabalhador terceirizado é empregado da empresa interposta, e só a esta deve subordinar-se. O tomador contrata com a empresa interposta, fazendo a esta suas exigências e sendo esta quem direciona o empregado terceirizado na prestação dos serviços.
Dentro de tais parâmetros fixados pelo inciso III da Súmula nº 331 do TST, é lícita e juridicamente possível a terceirização de longo prazo.
Por outro lado, ausente qualquer dos supramencionados requisitos (atividade-meio do tomador; empresa terceirizadora especializada; ausência de pessoalidade e de subordinação direta na prestação de serviços ao tomador), a terceirização é ilegal, constituindo-se vínculo empregatício entre o tomador de serviços e o empregado da empresa interposta.
Entretanto, há um caso em que a ilegalidade da terceirização não resultará na constituição de vínculo empregatício entre o tomador dos serviços e o empregado da empresa interposta: quando o tomador for a Administração Pública.
Segundo o inciso II da Súmula 331 do TST, “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional”.
Essa exceção à regra tem um fundamento muito simples: o princípio da obrigatoriedade de concurso público, que apregoa ser indispensável a prévia aprovação em concurso público (de provas, ou de provas e títulos) para o ingresso em cargo ou emprego público.
O artigo 37 da Constituição Federal, ao tratar da Administração Pública, institui em seu inciso II o princípio da obrigatoriedade do concurso público, segundo o qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”, disposição esta que é reforçada pelo inciso I e §2º do mesmo artigo 37.
Segundo o ensinamento do saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES[10]:
O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF.
Conforme lição de CUNHA JÚNIOR[11]:
Para ter acesso aos cargos e empregos públicos, é necessária a prévia aprovação em concurso público.(...)Em razão do preceito em tela, os cargos públicos e os empregos públicos, ressalvados aqueles de provimento em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, só podem ser providos mediante concurso público de provas ou de provas e títulos.(...)A exigência do concurso público para o acesso aos cargos e empregos públicos reveste-se de caráter ético e moralizador, e visa assegurar a igualdade, impessoalidade e o mérito dos candidatos. Dessa forma, tal exigência só pode ser excepcionada nas restritas hipóteses previstas pela própria Constituição Federal, uma vez que, segundo a Súmula nº 685 do STF, “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Ora, se a prévia aprovação em concurso público é de observância obrigatória por força da própria Constituição Federal, apenas pode ser excepcionada por norma que esteja, igualmente, no próprio texto constitucional e, como não há disposição constitucional afastando a exigência de concurso público às hipóteses de terceirização ilegal, impossível (e inconstitucional) seria, nesses casos, o reconhecimento de vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a Administração Pública tomadora de serviços.
Nesse sentido, e justificando a opção jurisprudencial sumulada, se manifesta o ministro GODINHO DELGADO[12], para quem:
Nesse quadro constitucional, torna-se inviável, juridicamente, acatar-se a relação empregatícia com entidades estatais mesmo em situações de terceirização ilícita, já que, nesse caso, o requisito formal do concurso público não terá sido cumprido (art. 37, II, e § 2º, CF/88). Para a constituição, a forma passou a ser, portanto, da essência do ato de admissão de trabalhadores em entes estatais.
Mencione-se, nesse passo, também dispõe a Súmula nº 363 do TST:
Súmula nº 363 - Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
É de se perceber que a Súmula nº 363, apesar de estabelecer que a mera ilegalidade da terceirização não resulta na constituição de relação de emprego entre o trabalhador terceirizado e a Administração Pública, deixa clara a responsabilidade desta em arcar com a contraprestação pactuada e com o depósito do FGTS.
E bem agiu a Súmula ao assim prever, posto que medida diversa (ou seja, isentar-se a Administração Pública do pagamento das mencionadas verbas) traria severo prejuízo ao trabalhador terceirizado e a todos que dele dependessem, bem como consistiria em locupletamento ilícito por parte do Poder Público, o que, sabe-se, é inadmissível para o ordenamento jurídico pátrio.

2.3 A responsabilidade do tomador privado de serviços na terceirização de longo prazo

Conforme já explanado, na terceirização há uma desvinculação entre a relação de emprego e a prestação de serviços, posto que, apesar de prestar serviços ao tomador, o trabalhador é empregado apenas da empresa interposta.
Portanto, é a empresa interposta quem deve remunerar o empregado, pagando a ele as verbas salariais e as demais verbas a ela conexas, inerentes à relação de emprego.
Assim, ao menos inicialmente, poder-se-ia imaginar que o tomador não teria qualquer responsabilidade pelo pagamento ou pelo não pagamento das verbas que a empresa interposta deve ao empregado prestador dos serviços.
Entretanto, não é correta tal afirmação.
Isto porque, o inciso IV da Súmula nº 331 do TST estabelece que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.
Como se pode depreender do excerto acima transcrito, apesar de não ser parte da relação de emprego, o tomador de serviços tem responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado terceirizado.
Cabe agora analisar as características e os requisitos dessa responsabilização do tomador de serviços privado no contrato de terceirização de longo prazo.
Inicialmente, verifica-se que a responsabilidade do tomador de serviços privado é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo por parte do tomador.
Segundo a indispensável lição de CARLOS ROBERTO GONÇALVES[13]: “nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova da culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Ela é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco”.
Fica clara a responsabilidade objetiva, tendo em vista que o referido inciso IV da Súmula nº 331 do TST não condiciona a responsabilidade do tomador privado à existência ou à prova de qualquer conduta dolosa (em que há consciência e vontade de praticar o ato ilícito) ou culposa (que envolva imprudência, negligência ou imperícia).
Daí os dizeres de ALICE MONTEIRO DE BARROS[14], para quem: 
Reconhecida a responsabilidade objetiva de quem se utilizou dos serviços, por meio da terceirização, pouco importa tenha ele dado ou não causa à cessação do contrato de trabalho do reclamante, assumirá os encargos sociais.
Materialmente, portanto, para a responsabilização do tomador privado, basta que não sejam pagas pela empresa interposta as verbas trabalhistas devidas ao empregado.
Em segundo lugar, tem-se que a responsabilidade do tomador privado é subsidiária, ou seja, o tomador privado apenas responderá pelo quantum de verbas trabalhistas excedente do patrimônio da empresa interposta.
Ou seja, quem primeiro responde é a empresa interposta e, se o patrimônio desta for suficiente à satisfação de toda a obrigação trabalhista, não há que se responsabilizar o tomador de serviços.
Por outro lado, se, acionada a empresa interposta, seu patrimônio for insuficiente à satisfação integral da obrigação trabalhista, deverá o tomador de serviços responder pela parcela da obrigação trabalhista que não foi satisfeita pela empresa interposta.
Em termos processuais, todavia, o referido inciso IV da Súmula 331 impõe dois requisitos para que possa o tomador responder pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado: (a) que o tomador haja participado da relação processual; e (b) que conste do título executivo judicial.
Para ser responsabilizado pelas verbas trabalhistas inadimplidas, deve o tomador de serviços ter sido parte no processo em que se discutiram tais verbas. Esta disposição da Súmula bem se coaduna com o princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV da Constituição Federal, e segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Por força de tal princípio e do disposto no inciso IV da Súmula nº 331, não pode o tomador ser responsabilizado pelas referidas verbas sem que lhe seja conferida oportunidade de, no processo judicial, exercer sua defesa e seu contraditório, a fim de também atuar na formação do convencimento do julgador.
A presença do contraditório, aliás, como bem aponta a doutrina especializada, é o elemento legitimador da atividade jurisdicional[15], motivo pelo qual não pode restar ausente no processo judicial, sob pena de tornar inexistente o processo[16].
Não basta, porém, a participação do tomador no processo judicial, de modo que este só pode ser responsabilizado subsidiariamente se tal responsabilidade constar do título executivo judicial, ou seja, apenas responderá se condenado em sentença ou acórdão do processo em que foi parte. É assim, posto que se a obrigação do tomador não constar de decisão judicial condenatória, não há contra ele qualquer título executivo.
Dessa forma, a responsabilização subsidiária do tomador depende de este ser condenado em decisão judicial proferida ao final de processo em que foi parte e teve a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa.
Isto, aliás, bem se relaciona com o texto legal, já que, segundo o artigo 506 do novo Código de Processo Civil (que manteve o disposto na primeira parte do artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973), “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.
Com relação à amplitude da responsabilização do tomador privado, estabelece o inciso VI da Súmula nº 331 do TST que “a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.
Assim, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços compreende todas as verbas declaradas na sentença e relativas ao período em que o empregado prestou serviços a ele. Segundo RESENDE[17], a responsabilidade do tomador de serviços “abrange todas as parcelas decorrentes da condenação imposta ao prestador de serviços (terceiro), ainda que indenizatórias ou punitivas”.
Portanto, numa interpretação a contrario sensu, tem-se que fica excluído da responsabilidade do tomador o pagamento de verbas não referidas na sentença ou que não correspondam ao período em que o empregado terceirizado lhe prestou serviços.

2.4 A responsabilidade da Administração Pública na terceirização de longo prazo

Consoante examinado no item anterior, o tomador de serviços particular responde subsidiariamente, mas de forma objetiva (ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa), pelo inadimplemento das verbas trabalhistas devidas pela empresa interposta ao empregado terceirizado, bastando para tal responsabilização a mera inadimplência da empresa interposta.
Todavia, pode o tomador dos serviços não ser um particular, mas sim a própria Administração Pública, contratando com observância da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e de Contratos Administrativos). Em virtude disso, a Súmula nº 331 do TST consagrou também, de forma expressa, a responsabilidade da Administração Pública na terceirização, como tomadora de serviços, em relação às verbas devidas ao empregado e inadimplidas pela empresa interposta.
Preceitua o inciso V da Súmula nº 331 do TST que “os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.
Conforme se pode abstrair da redação do referido verbete sumular, os entes da Administração Pública, quando tomadores de serviço em terceirização, também respondem pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado terceirizado.
Aliás, afirma o mencionado inciso que tais entes da Administração Pública “respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV”, ou seja, a responsabilidade da Administração Pública, assim como a responsabilidade do tomador privado, é subsidiária (e não solidária ou principal) e depende de esta ser expressamente condenada em decisão judicial proferida em processo do qual foi parte ré (podendo exercer o contraditório e a ampla defesa e, assim, influir ativamente na formação do convencimento do magistrado).
Todavia, nada obstante essa semelhança inicial, tal dispositivo sumular concebeu tratamento diferenciado à Administração Pública quanto à sua responsabilização, lhe estabelecendo uma forte prerrogativa não conferida ao tomador particular: a responsabilidade subjetiva, dependente de demonstração de culpa in vigilando.
Culpa in vigilando, segundo ressalta CARLOS ROBERTO GONÇALVES[18], é a que “decorre da ausência de fiscalização”.
Segundo dispõe o inciso V da supracitada Súmula, a Administração Pública apenas será responsabilizada se “evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”.
Em outras palavras: para que a Administração Pública possa responder subsidiariamente pelas verbas trabalhistas não pagas ao empregado, deve restar comprovado que agiu com culpa, decorrente da não observância das normas relativas à licitação e ao contrato administrativo (regulados pela Lei nº 8.666/1993), especialmente quanto à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas legais e contratuais da empresa interposta em relação a seus empregados.
O texto desse inciso V da Súmula nº 331 traz ênfase bastante contundente em relação à fiscalização, pela Administração Pública tomadora, do cumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa interposta em relação aos empregados desta.
Frise-se: a intenção da Súmula é consagrar, como prerrogativa da Administração Pública em contratos de terceirização, a sua responsabilidade meramente subjetiva, decorrente de culpa in vigilando.
E, no intuito de reforçar a existência da mencionada prerrogativa, o verbete sumular termina afirmando que “a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”, o que deixa ausente de dúvidas o afastamento da responsabilidade objetiva da Administração Pública como tomadora em contratos de terceirização.
A razão dessa disposição diferenciada para a Administração Pública tomadora de serviços se encontra no artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), segundo o qual:
Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
O referido artigo 71, §1º, da Lei de Licitações teve sua constitucionalidade discutida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON nº 16/2007), ação esta que culminou em decisão de procedência proferida em maioria de votos pelo Pretório Excelso, de modo a declarar sua constitucionalidade[19].
Foi justamente sua declaração de constitucionalidade pelo STF (mediante decisão publicada no DOU de 3-12-2010) que resultou na inserção do supramencionado inciso V à Sumula nº 331 do TST.
Segundo tal dispositivo legal, a Administração Pública não tem responsabilidade em relação às verbas trabalhistas, fiscais e comerciais inadimplidas pelo contratado. Assim, estabelece que a Administração Pública não pode ser responsabilizada em virtude do mero inadimplemento de obrigações por parte do contratado.
Daí o inciso V da Súmula nº 331 do TST ser tão contundente em afirmar que a responsabilidade da Administração Pública tomadora não decorre do mero inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da empresa interposta, apenas se configurando em caso de evidenciada culpa in vigilando.
Afirma RESENDE[20] que, por decorrência da declaração de constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993, “a responsabilização subsidiária da Administração Pública em caso de terceirização e inadimplência da empresa prestadora de serviços (terceiro) não poderá ser automática, ou seja, o item IV da Súmula 331 não se lhe aplica”. Reforça-se, portanto, a mencionada ideia da responsabilidade subjetiva da Administração Pública.
No mais, aplica-se à Administração Pública o disposto no inciso VI da Súmula nº 331 do TST, de modo que sua responsabilidade, assim como a do tomador privado, abrange todas as verbas declaradas na sentença e relativas ao período em que o empregado terceirizado lhe prestou serviços.

2.5 Críticas à forma de responsabilização da Administração Pública na terceirização de longo prazo

Não obstante a declaração de constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei de Licitações pelo STF, é ainda mister que nos posicionemos contrariamente à opção jurisprudencial quanto à forma de responsabilização da Administração Pública em contratos de terceirização.
E vários são os fundamentos, inclusive constitucionais, para tanto.
Inicialmente, há que se mencionar que, apesar do entendimento do STF, padecem de incompatibilidade com o texto constitucional o artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993 e, conseqüentemente, o inciso V da Súmula nº 331 do TST. Isto porque o artigo 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 consagrou a tão aplaudida responsabilidade objetiva da Administração Pública[21].
A responsabilidade objetiva da Administração Pública é um marco na história do Direito, já que é fruto de longa e complexa construção jurídica: no início, imperava a irresponsabilidade da Administração Pública (não sendo ela responsabilizada por qualquer dano que causasse), quadro que foi progressivamente se alterando com o passar dos séculos, até chegar aos dias atuais, em que impera a responsabilidade objetiva da Administração Pública, solidificada no texto constitucional.
Consoante a precisa lição de HELY LOPES MEIRELLES[22] acerca do artigo 37, §6º, da Constituição da República:
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES[23], ao tratar da responsabilidade da Administração Pública, afirma que “não se exige, pois, comportamento culposo do funcionário. Basta que haja o dano, causado por agente do serviço público agindo nessa qualidade, para que decorra o dever do Estado de indenizar”. Assim também as palavras de HELY LOPES MEIRELLES[24], para quem "o essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las".
Ora, se a Administração Pública deve responder objetivamente pelos danos que causar, não cabe condicionar a responsabilização desta, como tomadora em contratos de terceirização, à comprovação de culpa. A demonstração de culpa, como se sabe, liga-se ao conceito de responsabilidade subjetiva (e não ao de responsabilidade objetiva, que prescinde totalmente da verificação de culpa).
Assim, a exigência da demonstração de culpa por parte da Administração Pública, como requisito à sua responsabilização em contratos de terceirização, é medida que não se coaduna com o texto constitucional.
Antes mesmo da decisão do STF acerca da ADECON nº 16/2007, bem asseverava o ministro GODINHO DELGADO[25] no sentido da inconstitucionalidade da não responsabilização objetiva da Administração Pública em contratos de terceirização:
Mais ainda: tal exceção efetuada pela Lei de Licitações desrespeitaria, frontalmente, clássico preceito constitucional responsabilizatório das entidades estatais (a regra da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, insculpida já há décadas na história das constituições brasileiras). Semelhante preceito constitucional responsabilizatório não só foi mantido pela Carta de 1988 (art. 37, § 6º, CF/88) como foi inclusive ampliado pela nova Constituição, abrangendo até mesmo as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (§ 6º do art. 37, CF/88).Ora, a Súmula 331, IV, não poderia, efetivamente, absorver e reportar-se ao privilégio de isenção responsabilizatória contido no art. 71, § 1º da Lei de Licitações – por ser tal privilégio flagrantemente inconstitucional. A súmula enfocada, tratando, obviamente, de toda a ordem justrabalhista, não poderia incorporar em sua proposta interpretativa da ordem jurídica – proposta construída após largo debate jurisprudencial – regra legal afrontante de antiga tradição constitucional do país e de texto expresso da Carta de 1988.
Não bastasse a afronta ao princípio da responsabilidade objetiva da Administração Pública, há que se analisar outra questão: a razoabilidade da responsabilização subjetiva da Administração Pública tomadora face à responsabilidade objetiva do tomador privado.
A discussão coloca-se em torno de uma simples questão, qual seja, o próprio artigo 37, caput, da Constituição Federal, ao estabelecer as diretrizes principiológicas gerais da Administração Pública, dispõe que esta deve obedecer “aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Uma desses princípios se destaca: o princípio da moralidade, segundo o qual, pelas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[26]:
A Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé (...). Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.
De forma mais sucinta, afirma ainda CUNHA JÚNIOR[27] que:
Esse princípio determina o emprego da ética, da honestidade, da retidão, da probidade, da boa-fé e da lealdade com instituições administrativas e políticas no exercício da atividade administrativa. Violá-lo macula o senso comum.
Assim, a Administração Pública deve agir com correção, sempre dentro dos ditames da moralidade, da lealdade e da boa-fé. A prática de ato imoral, ainda que lícito, é reprovável.
Sem sombra de dúvidas, a Constituição Federal exige da Administração Pública uma retidão muito superior à que se exige do mero particular.
Sendo assim, não há qualquer sentido em responsabilizar-se apenas subjetivamente (mediante demonstração de culpa) a Administração Pública tomadora de serviços em terceirização, já que dela a Constituição Federal exige uma mais correta atuação.
Fica ainda menos razoável a responsabilização subjetiva da Administração Pública tomadora quando se leva em consideração que o tomador particular, do qual a lei não exige tamanha lisura, responde objetivamente (independente da demonstração de culpa) pelas verbas inadimplidas pela empresa interposta aos seus empregados.
Há verdadeiro desequilíbrio. Aquele de quem a lei (a Constituição Federal, aliás) exige atuação mais íntegra é quem é responsabilizado de forma mais branda, ao passo que aquele de quem a lei não exige, ao menos com tanta contundência, conduta tão reta, é responsabilizado de forma mais gravosa.
Por fim, há ainda que se fazer uma consideração importante:
O ordenamento jurídico trabalhista pátrio é construído, fundamentalmente, sobre o princípio da proteção ao empregado, que se encontra implícito na norma do artigo 7º da Constituição Federal (que trata dos direitos sociais básicos) e que tem por escopo sanar a desigualdade fática existente entre as partes da relação de emprego (buscando, portanto, uma maior igualdade material entre elas).
Isto porque o legislador trabalhista brasileiro reconhece a vulnerabilidade e a hipossuficiência materiais do empregado na relação de emprego, já que é este quem necessita manter, tão somente com as verbas remuneratórias que recebe, a subsistência própria e de sua família.
Na terceirização não é diferente: há um empregado, que necessita das verbas remuneratórias (que, aliás, possuem natureza alimentar) para promover o sustento próprio e de sua família.
Assim, se em uma relação de terceirização, a empresa interposta, por insuficiência de patrimônio, deixa de pagar ao seu empregado verbas que lhe são de direito (e as quais são imprescindíveis à sua subsistência) e o Poder Judiciário entende pela não configuração de culpa in vigilando por parte da Administração Pública tomadora dos serviços, o maior prejudicado é exatamente a parte mais vulnerável da relação: o empregado, que não receberá as verbas alimentares de que necessita, correndo, inclusive, o risco de perecer.
Ora, resta claro que a responsabilização meramente subsidiária da Administração Pública pelas verbas inadimplidas ao empregado terceirizado constitui-se em injusto empecilho à mantença da subsistência deste, afrontando inegavelmente, portanto, o princípio da proteção ao empregado.
Assim, em virtude desses três aspectos apresentados, entendemos incorreta a opção jurisprudencial acerca da responsabilidade da Administração Pública como tomadora de serviços em contratos de terceirização, e posicionamo-nos no sentido de que também à Administração Pública deveria ser imposta a responsabilidade objetiva (e não a mera responsabilidade subjetiva, como é o caso).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, ante todo o exposto no presente texto, que a regra da responsabilidade subjetiva da Administração Pública em contratos de terceirização de longo prazo não se coaduna com o texto constitucional, apesar de ter sido incluída na Súmula nº 331 do TST em decorrência de norma legal (artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/1993) tida por constitucional pelo STF em julgamento de ADECON.

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[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 414.
[2] "Art. 4º. Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos."
[3] "Art. 2º. Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços."
[4] "Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-Obra."
"Art. 11. O contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora ou cliente será, obrigatoriamente, escrito e dele deverão constar, expressamente, os direitos conferidos aos trabalhadores por esta Lei."
[5] KLIPPEL, Bruno. Direito sumular esquematizado - TST. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 417.
[6] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 357.
[7] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 192.
[8] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 425.
[9] "Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."
"Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 396.
[11] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 972-974.
[12] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 429.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59.
[14]  BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 360.
[15] "É a participação das partes interessadas na formação da decisão que confere legitimidade ao exercício da jurisdição. Sem a efetividade do direito de defesa, portanto, estaria comprometida a própria legitimidade do exercício do poder jurisdicional. (...) Nessa perspectiva, não há como deixar de perceber que o direito de defesa também consiste no direito de influir sobre o convencimento do juiz. E isso mediante alegações, requerimento de provas, participação na sua produção, consideração sobre os seus resultados etc". [MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume I – teoria geral do processo. 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 311-312].
[16] Tendo-se em vista a essencialidade do contraditório, vem a doutrina conceituando o processo como sendo, verdadeiramente, um “procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, presente o contraditório” [GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; e CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 29º edição. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 317]. Daí porque falar-se que sem a observância do contraditório o processo é inexistente (e não meramente nulo).
[17] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 218.
[18] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 67.
[19] EMENTA: "RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995". [ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219- PP-00011].
[20] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 216.
[21] "Art. 37. (...) §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 743.
[23] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 170.
[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Rev. e atual. Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 601.
[25] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9ª edição. São Paulo: LTr, 2010, p. 441.
[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 119-120.
[27] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 961.

Um comentário:

  1. De fato, acompanho-te nessa magistral discussão, pois está bem demonstrado que os posicionamentos do Judiciário apresentam-se equivocados, uma verdadeira afronta ao texto da Carta Magna de 1988 no que tange a responsabilidade objetiva do Estado, no que se refere à terceirização de serviços da Administração Pública:
    a) Há uma incongruência de interpretação da norma constitucional com a infraconstitucional, pois como bem explanado, a Constituição Federal prevê a responsabilidade objetiva do Estado (Administração Pública), ou seja, aquela que independe de dolo e culpa cuja previsão encontra-se no artigo 37, §6º CF.
    b) A Súmula n.º 331 do TST ao mencionar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública no que se refere ao inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do tomador de serviços em contratos de terceirização, apanha somente a responsabilidade subjetiva (aquela que depende dolo ou culpa - negligência, imprudência ou imperícia) e não aquela como manda a ordem constitucional.
    c) Ao olhar a Súmula a luz da CF, vislumbra-se uma inconstitucionalidade (como bem mencionado), em contrapartida o TST ao editar a parte em discussão do verbete utiliza-se uma prerrogativa bastante utilizada na Justiça do Trabalho: o ativismo judicial. Assim, vê-se que o Judiciário usa dessa função atípica de modo exacerbado, e isso ocorre não somente neste verbete, mas também em tantos outros previstos no arcabouço jurídico.
    Finalmente, parabenizo-te pela fineza, claridade, congruência na elaboração do texto. Brilhante discussão.

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